Melhorando a qualidade assistencial e reduzindo custos
O atual modelo de assistência à saúde voltado para o tratamento da doença, centrado no hospital terciário, propõe um cuidado fragmentado, não focado no indivíduo e pode apresentar falhas de comunicação, coordenação e desperdícios. O sistema de saúde é complexo e, por vezes, não considera os demais aspectos do paciente, como sua história, família, condições de vida, contexto social, acesso a serviços, local de residência e o seu acompanhamento nos diversos momentos da vida.
Os custos médico-hospitalares crescem acima da inflação e o principal responsável por essa aceleração é o grupo de internações. Para sanar adversidades na linha de atenção e reduzir custos, o conceito de coordenação de cuidados em saúde tem sido utilizado em diversos países como uma chave estratégica para guiar um paciente em um sistema de saúde complexo e permitir que os gestores melhorem a satisfação do usuário, a saúde dos beneficiários, a qualidade, a segurança, a eficácia e eficiência do atendimento, reduzindo assim, os custos assistenciais.
O papel da auditoria nas operadoras de saúde tem se modificado ao longo dos últimos anos, passando do modelo de auditoria retrospectiva ou concorrente no qual é realizada a análise de documentos, prontuários e registros técnicos para o modelo de auditoria do cuidado (ou auditoria clínica ou de qualidade).
A auditoria do cuidado consiste em um time multiprofissional que acompanha os pacientes elegíveis durante a internação hospitalar. As ações realizadas pela auditoria do cuidado nas instituições hospitalares, resultam na melhoria da qualidade técnica das internações, uma vez que, atuam no acompanhamento do paciente até a alta segura, reduzindo tempo médio de internação e evitando reinternações.
Os auditores in loco realizam discussão técnica com a equipe assistencial com os seguintes objetivos: resolução/celeridade das demandas; identificação de pacientes elegíveis para cuidados domiciliares; pertinência do quadro clínico para a acomodação atual; tratativas técnicas e administrativas; redução segura do período de internação; utilização dos recursos compatíveis com prognóstico e possibilidades terapêuticas; acompanhamento dos pacientes provenientes da urgência/emergência; gestão do cuidado com o usuário, tendo como premissa a qualidade da assistência prestada e segurança do paciente; antecipação de conflitos; acolhimento aos pacientes e familiares; prevenção e tratativas dos eventos adversos.
Objetivos
As estratégias para redução dos custos assistenciais e melhoria da qualidade do cuidado são perseguidas pelos gestores da saúde suplementar.
Neste contexto, a auditoria do cuidado pode ser uma alternativa para otimização de recursos e melhoria da qualidade assistencial dos pacientes que necessitam de internação hospitalar.
O modelo tem por finalidade verificar, in loco, as condições do paciente, a jornada do cuidado e alinhar estratégias para que prestadores e operadoras de saúde atuem em conjunto para o melhor desfecho de cada caso.
Esse estudo tem como objetivo demonstrar uma experiência de auditoria do cuidado, apresentando critérios de elegibilidade, metodologia implementada e custos evitados com mudança de acomodação, desospitalização e redução de eventos adversos em um sistema de assistência com mais de 500 mil vidas.
Métodos
Estudo observacional, longitudinal e retrospectivo de 4 anos, abrangendo visitas hospitalares a 129.197 pacientes. Os dados foram coletados através de formulários eletrônicos em dispositivos portáteis pela equipe de auditoria, de caráter multidisciplinar. Os dados de custo evitado com desospitalização e mudança de acomodação foram calculados com base nos valores da tabela do sistema de assistência estudado e estimativa de dias da antecipação da alta. Os eventos adversos notificados foram acompanhados ao longo do período e foi realizada a estimativa de redução de eventos e custo evitado através dos valores relacionados a eventos disponíveis na literatura (R$ 4.460,00 por evento). A amostra foi obtida por conveniência a partir da extração dos dados dos formulários preenchidos pelos auditores. Foi aplicado estatística descritiva, utilizando editor de planilhas. Os Critérios de elegibilidade para acompanhamento pela auditoria do cuidado foram os seguintes:
-Pacientes com internação superior a três dias;
-Internações em caráter de urgência/emergência;
-Internações cirúrgicas com intercorrência;
-Internações em unidade fechada, a partir do primeiro dia.
Monitoramento de pacientes internados e seleção dos elegíveis:
Uma equipe composta por técnicos administrativos era responsável pelo mapeamento dos censos das unidades hospitalares. A ocupação diária nas unidades hospitalares era encaminhada à equipe de enfermagem que elencava os pacientes elegíveis para visitas conforme os critérios pré-definidos. A relação de pacientes elegíveis para visitas era encaminhada para a equipe de auditoria que realizava visitas à beira leito, contato com familiares e interação técnica com a equipe assistente, visando sempre a melhor assistência ao beneficiário e otimização do cuidado.
Rotina de atuação dos auditores do cuidado:
Os profissionais denominados auditores do cuidado foram representados por médicos, enfermeiros, nutricionistas e assistentes sociais. Os auditores do cuidado atuaram in loco, realizando visitas à beira leito, discussão técnica com equipe assistente, acolhimento a beneficiários e familiares e potencializando condições para alta segura, apoiando a equipe assistencial em relação a orientações de saúde e manutenção dos cuidados após a saída hospitalar.
Gerenciamento de dados de visitas e implementação de ferramentas informatizadas:
Os dados coletados durante a atuação da auditoria do cuidado foram acondicionados em dispositivos eletrônicos portáteis e extraídos em editor de planilhas. O software de gestão dos processos em saúde possuía módulos integrados que possibilitavam o registro das visitas realizadas, bem como o monitoramento de solicitações de procedimentos com necessidade de autorização prévia. O objetivo da integração dos módulos era otimizar os processos autorizativos, permitindo o acesso à auditoria de todas as informações necessárias aos processos de autorização e acompanhamento dos pacientes internados.
Resultados
No período de janeiro de 2019 a dezembro de 2022, foram realizadas 344.025 visitas em 129.197 pacientes. O custo evitado calculado no período foi de R$ 10.857.640,00, considerando uma redução média de 2 dias de internação e valores de tabela do sistema estudado.
A média anual de indicações de desospitalização pela auditoria do cuidado foi de 4.749 casos, com saída efetiva do ambiente hospitalar de 92% em até 48 horas. Das saídas hospitalares a maioria correspondeu a alta médica (93%) e 7% dos casos necessitaram de assistência domiciliar. A média anual de indicação de mudança de acomodação pela auditoria do cuidado foi de 1.794 casos, com acato pela equipe assistente em 67% dos casos, em média.
Quanto aos eventos adversos, foram notificados 13.680 eventos durante o período. Dentre esses eventos, 77,1% foram classificados como leves, 20,5% como moderados, 2,2% como severos e 0,23% (31 eventos) resultaram em morte. O principal evento notificado foi relacionado ao uso de dispositivos médicos (32,6%). Ao longo do estudo, houve uma redução progressiva no número de notificações de eventos, com reduções de 18% em 2020, 62% em 2021 e 77% em 2022. Estima-se que, ao longo dos 4 anos de estudo, um total de 9.644 eventos adversos foram evitados, com custo evitado de R$ 43.012.240,00.
O custo evitado com a gestão integrada do paciente internado, considerando desospitalização, mudança de acomodação e eventos adversos, totalizaram R$ 53.869.880,00 .
Conclusões
Esse estudo apresenta uma experiência de mundo real da atuação da auditoria do cuidado na redução dos custos hospitalares com duração de 48 meses em um sistema de assistência de mais de 500 mil vidas. No sistema de saúde estudado, o custo com internação hospitalar no período correspondeu a 47% do custo total da assistência.
A implementação de estratégias de gestão do internamento focada na eficiência e qualidade do cuidado ao paciente demonstrou ser eficaz para desospitalização segura, mudança de acomodação e redução de eventos adversos. O custo evitado com a estratégia foi estimado em R$ 53.869.880,00.
Segundo o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar – IESS, a assistência hospitalar representa o maior componente das despesas assistenciais da saúde suplementar, contabilizando 45,8% do total das despesas no ano 2020. Portanto, os dados de custos com internação hospitalar no estudo apresentado estão em linha com as principais publicações na área da economia da saúde. Os dados de literatura consideram a admissão em unidade de terapia intensiva como importante preditora de aumento de custos hospitalares. Neste cenário, foi importante a inclusão da internação em unidade fechada, a partir do primeiro dia como critério de elegibilidade para acompanhamento pela auditoria do cuidado.
Este estudo apresentou a rotina de mapeamento de pacientes elegíveis para seguimento pela auditoria do cuidado, caracterizando os critérios de elegibilidade que foram definidos com base nas condições que mais geram custo ou maior tempo de permanência. Os pacientes admitidos em unidade de terapia intensiva eram acompanhados deste o primeiro dia, com interação direta com a equipe assistente, viabilizando autorização de exames e procedimentos em tempo hábil para evitar entraves no processo de assistência.
Foi possível observar que a mudança de acomodação proporcionou maior redução de custo quando comparada à desospitalização. Este dado pode ser um indício de que o seguimento de pacientes em terapia intensiva desde o início do internamento pode melhorar a jornada do paciente internado e possibilitar a alta segura das unidades críticas. Como demonstrado neste estudo, alternativas como a auditoria do cuidado reduzem os custos hospitalares e trazem valor em saúde para os beneficiários do sistema de assistência.
Artigo por Rogério Ferreira, Head de regulação da Qualirede.