Setembro Amarelo chegou ao fim, mas nossa missão de abordar esse tema tão importante continua. No artigo do nosso blog, mergulhamos mais fundo nas histórias das outras vítimas da depressão: aqueles que ficam.
“Ser ou não ser – eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz ou pegar em armas contra o mar de angústias – e combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer, dormir; só isso. E como o sono dizem – extinguir dores do coração e mil mazelas naturais que a carne é sujeita; eis uma consumação ardentemente desejável. Morrer – dormir – dormir. Talvez sonhar”
Shakespeare, Hamlet
A Campanha Setembro Amarelo, visa nos alertar sobre a necessidade de falarmos sobre prevenção ao suicídio.
Na obra literária: Compreendendo o Suicídio (2021).[1] o suicídio é abordado como um fenômeno multifacetado, o qual reuni fatores neurobiológicos, genéticos, psicológicos, sociais, culturais, religiosos, filosóficos, ambientais, epidemiológicos e individuais, tanto intrapsíquico quanto interpessoais.
Os autores apresentam dados epidemiológicos evidenciando que o suicídio é a segunda causa de mortes violentas na faixa etária de 12 a 29 anos, sendo considerado um importante e crescente problema de saúde pública evitável. A Organização Mundial de Saúde (OMS) oferece uma estimativa de 800 mil mortes por suicídio a cada ano, representando 1,4% das mortes anuais
Nos últimos anos tem crescido as taxas de suicídio na população feminina, bem como na população jovem e idosa. No mundo todo, existe certa predominância de comportamento suicida em zonas rurais e pequenas cidades. Os povos indígenas representam um grupo extremamente vulnerável, no Brasil o histórico de conflitos, processo de aculturação, discriminação e experiência de violência são constantes intrínsecas dessa realidade.
A obra destaca que dentre os fatores de risco individuais, destacam-se tentativas de suicídio prévias, presença de transtornos mentais, uso abusivo de álcool, perda de trabalho ou renda, desesperança, dor crônica, história familiar de suicídio ou fatores genéticos e biológicos.
Existe uma relação íntima entre o suicídio e saúde mental. Obviamente, a presença de transtornos mentais não explica a totalidade do suicídio, porém estima-se que entre 80% a 100% dos suicídios cometidos foram por pessoas que padeciam de alguma doença mental, quer sejam em países em desenvolvimento ou desenvolvidos.
Vimos até aqui, quão complexo é falar sobre suicídio, embora setembro seja o mês de referência para dar visibilidade a essa pauta, esse é um assunto que deveria ser perene ao longo do ano.
No ano de 2019, em uma palestra que ministrei para um grupo de jovens, fui questionada o porquê de evitarmos tratar do assunto o ano inteiro, já que a eminência de alguém tentar tirar a própria vida está cada vez mais perto de nós.
Essa pergunta faz ecoar a impotência de milhares de pessoas que estão convivendo com situações limites o ano inteiro e quão necessário é incentivá-las a pedir socorro, procurar ajuda profissional e apoio emocional.
Como, por exemplo, o Centro de Valorização da Vida – CVV, que é uma organização da sociedade civil que funciona 24 horas por dia, sete dias na semana. Nela temos voluntários treinados a ouvir, sem críticas ou julgamentos, com acolhimento e entendimento do estado de emergência de uma pessoa se encontra ao ligar para um serviço de apoio com essa finalidade. Discar para o número 188 é um caminho de esperança de uma vida ser salva.
Quando estudamos um pouco mais sobre o assunto, somos impactados pela notícia de que cerca de pelo menos até 60 pessoas, incluindo núcleo familiar e estendida, amigos e colegas (Damiano… et al., 2021) são afetadas diretamente pela tentativa e efetividade do ato do suicídio.
Saber que alguém que você conhece, convivi, cometeu o suicídio, traz o sentimento de culpa, a vontade de voltar o tempo e pensar sobre o que poderia ter sido feito de diferente, traz sentimentos ruins como remorsos por achar que faltou algo que fosse forte o suficiente para impedir o ato.
O impacto emocional e a história familiar e até dos amigos próximos serão diretamente moldurados e recorrentemente mencionados em momentos de lembranças e saudades, infelizmente uma dor volta nestes momentos.
Procurar ajuda terapêutica, espiritual e grupo de acolhimento a enlutados por suicídio é o caminho para vivenciar o luto e os sentimentos ambíguos de raiva e tristeza, e a elaboração dos sentimentos de culpa e vergonha, a partir de possibilidades realistas de cuidado entre os membros da família e aceitação do sentimento de impotência e incompreensão daí decorrentes.
Sabemos que não há fórmulas mágicas para esquecer, apagar, ignorar e seguir com a vida. Inevitavelmente, nossa humanidade sofre e se ressente com o encerramento de uma vida, em especial quando ela é interrompida por uma tragédia que infelizmente não foi possível de ser evitada.
É preciso procurar apoio emocional e enfrentar o luto sozinho pode se tornar difícil demais, por isso, você que faz parte da nossa rede de atendimento pelas clínicas de Atenção primária à Saúde, procure atendimento, nosso time está preparado para te ajudar nesse momento de enfrentamento do luto. Você não está sozinho!
Para finalizar, trazemos a fala de alguns Qualiheads que hoje lidam com a perda de um familiar:
“Diga eu te amo todo dia as pessoas amadas a sua volta, pois o dia que você perder uma delas, vai perceber que não disse eu te amo suficiente. Para enfrentar esse momento de luto, me apego a minha fé em Deus e aos meus familiares. Saio de casa, caminho no sol, boas noites de sono, alimentação leve, espiritualidade e a família, dizendo eu te amo aos meus filhos constantemente. É isso que tenho feito para enfrentar a perda de minha prima.” – Kylder de Abreu – Coordenador da Clínica de APS em São Paulo-SP.
“Os dias não são fáceis, você não consegue mais seguir o script da vida que vivia. A perda transforma tudo. Não perdemos só a pessoa em si, perdemos também tantas outras coisas; tantas expectativas fracassadas e planos não alcançados. A vida nunca mais será a mesma, mas esse amor que faz doer, é o mesmo te está ajudando a caminhar. Relutei muito para buscar ajuda profissional, porém foi a melhor escolha. Meu filho tem sido a minha maior força para lidar com a morte do meu companheiro, sem contar o apoio da família e amigos. Focar no trabalho, criar novas lembranças, conhecer lugares novos, pessoas diferentes, tem sido a meta diária. E há algo que essa experiência está me ensinando é viver, então: ria alto, ame intensamente, beije devagar e diga que ama. Você nunca sabe se aquela será a última vez.” Paula Jarschel – Coordenadora de Operações.
Texto por:
Deise Mattos
Psicóloga da Clínica de APS Rio de Janeiro
CRP: 05/26122
[1] Obra literata: Compreendendo o Suicídio, Damiano, Rodolfo [et al], 2021. 1 ed. Santana de Paraíba [SP]: Manole, 2021.